MCU.TEC Tecnologia A Era dos Chiplets e a Nova Onda de Consolidação no Mercado de Semicondutores

A Era dos Chiplets e a Nova Onda de Consolidação no Mercado de Semicondutores


Nos últimos anos, a indústria de semicondutores passou por um ponto de inflexão. O aumento da complexidade dos circuitos integrados, aliado à demanda crescente por desempenho em aplicações de inteligência artificial, data centers e dispositivos móveis, trouxe à tona uma nova abordagem: os chiplets. Diferente do tradicional “chip monolítico”, em que todos os circuitos estão integrados em uma única pastilha de silício, os chiplets dividem as funções em múltiplos blocos menores que podem ser interconectados.

Essa abordagem não é exatamente nova em termos conceituais — o uso de múltiplos chips em sistemas existe há décadas —, mas a tecnologia e os padrões de fabricação atuais estão permitindo que os chiplets se tornem uma solução prática e economicamente viável. Hoje, grandes empresas como AMD, Intel e Qualcomm já investem fortemente nesse modelo, enquanto startups buscam seu espaço em uma cadeia de valor que está se reestruturando rapidamente.

Eventos recentes, como a conferência da EE Times sobre o futuro dos chiplets em São Francisco, deixaram claro que o mercado entrou em uma nova fase: já não se discute mais “se” os chiplets irão escalar, mas sim “como” projetar, validar e integrar ecossistemas multi-vendor, nos quais diferentes fornecedores de IP, interconexões e substratos trabalham de forma colaborativa.

Essa tendência, contudo, não vem sem desafios. Questões como confiabilidade, testabilidade, padronização de interfaces e segurança ainda são obstáculos importantes para que os chiplets alcancem todo seu potencial. Ao mesmo tempo, cresce uma onda de aquisições estratégicas, onde grandes players buscam consolidar tecnologias-chave e talentos, moldando o futuro da indústria de semicondutores.

Tendência de Mercado e Consolidação

O mercado de chiplets está em plena efervescência e já apresenta sinais claros de consolidação. O motivo é simples: essa tecnologia representa não apenas uma inovação arquitetural, mas uma transformação estratégica na forma como os semicondutores são projetados, fabricados e integrados. Para grandes empresas, dominar esse ecossistema significa reduzir riscos, garantir propriedade intelectual crítica e acelerar a inovação.

Nos últimos meses, vimos movimentos importantes que ilustram essa tendência. A Tenstorrent, empresa especializada em arquiteturas de alto desempenho, adquiriu a Blue Cheetah, focada em interconexões analógicas de chiplets. A operação não teve como objetivo apenas absorver tecnologia, mas também atrair talentos e consolidar um IP essencial: o D2D (die-to-die interconnect), elemento crucial para a comunicação entre chiplets. De maneira semelhante, a Qualcomm comprou a Alphawave Semi por US$ 2,4 bilhões, reforçando sua posição no fornecimento de chiplets de entrada e saída (I/O), fundamentais para aplicações em data centers e inteligência artificial.

Segundo especialistas da Woodside Capital Partners, esse movimento pode ser entendido como uma verdadeira “corrida do ouro” em busca de blocos fundamentais que irão sustentar o ecossistema dos chiplets. As empresas que controlarem as peças-chave — interconexões, substratos inteligentes, chiplets de memória e I/O — terão grande vantagem competitiva. É por isso que o setor está passando por uma fase de M&A (fusões e aquisições) acelerada, moldando uma nova cadeia de valor para a indústria de semicondutores.

Apesar de muitas vezes comparada a montar “blocos de Lego”, a realidade dos chiplets é bem mais complexa. O processo envolve desafios técnicos imensos em testabilidade, confiabilidade e segurança. Identificar quais chiplets são “dados bons” (Known Good Dies) antes da montagem, garantir robustez em sistemas críticos como os automotivos e estabelecer raízes de confiança em arquiteturas multi-vendor são barreiras que ainda exigem pesquisa e padronização. Essa complexidade, no entanto, explica por que as aquisições não param: os grandes players preferem internalizar tecnologias críticas do que depender de fornecedores externos em uma cadeia ainda em formação.

Assim, a tendência de mercado aponta para um futuro híbrido, no qual grandes corporações consolidam soluções proprietárias para seus produtos de ponta, enquanto colaboram em padrões abertos para viabilizar um ecossistema mais amplo de inovação.

Tecnologias Envolvidas na Confecção de Chiplets

A criação de chiplets envolve um conjunto de tecnologias que vão muito além da simples divisão de um circuito integrado em blocos menores. Para que essa abordagem seja viável, é necessário um ecossistema sofisticado de interconexões, substratos avançados, integração heterogênea de processos e novas formas de entrada e saída de dados. Cada uma dessas áreas representa tanto uma oportunidade quanto um desafio para a indústria.

O primeiro pilar são as interconexões die-to-die (D2D), responsáveis por conectar os diferentes chiplets dentro de um mesmo pacote. Essa comunicação deve oferecer alta largura de banda, baixa latência e baixo consumo energético, sem comprometer a confiabilidade. Empresas como Eliyan e Kandou AI têm se especializado em oferecer IPs de PHY de interconexão que permitem justamente essa integração. É aqui que surgem padrões emergentes como o UCIe (Universal Chiplet Interconnect Express), que busca estabelecer normas abertas para comunicação entre chiplets de diferentes fornecedores.

Outro elemento essencial são os substratos inteligentes. Diferente de um encapsulamento tradicional, os chiplets exigem substratos capazes de acomodar diversos tipos de tecnologia, como silício convencional, memórias, circuitos RF (rádio frequência) e até semicondutores compostos, como GaN (Nitreto de Gálio) e InP (Fosfeto de Índio). Empresas como a PseudolithIC estão justamente explorando maneiras de integrar esses materiais em um mesmo wafer, viabilizando circuitos híbridos de altíssimo desempenho, especialmente para aplicações em telecomunicações e sistemas de radar.

Além disso, há o papel crucial dos chiplets de I/O e memória. A tendência é separar funções de entrada/saída em chiplets independentes, permitindo maior flexibilidade de projeto. Foi nesse campo que a Alphawave Semi (adquirida pela Qualcomm) se destacou, oferecendo soluções multi-protocolo já prontas para integração. Esse modelo permite que processadores de diferentes naturezas (como CPUs, GPUs ou aceleradores de IA) possam compartilhar os mesmos módulos de I/O, otimizando custos e tempo de desenvolvimento.

Por fim, desponta no horizonte uma revolução: a transição para o I/O óptico. A comunicação elétrica, mesmo com avanços como UCIe, está se aproximando de limites físicos em termos de consumo e densidade de potência. Para superar isso, empresas como a Ayar Labs já produzem chiplets ópticos compatíveis com UCIe, nos quais a transmissão de dados ocorre por fótons em vez de elétrons. Essa tecnologia promete saltos de até 10 vezes em eficiência energética e largura de banda muito maior, permitindo que racks inteiros de servidores sejam interligados de maneira mais eficiente e escalável. O uso de técnicas como DWDM (Dense Wavelength Division Multiplexing), explorado pela Xscape Photonics, deve multiplicar ainda mais a capacidade de transmissão por fibra óptica, tornando possível construir verdadeiros “tecidos de computação” distribuídos em escala de datacenters.

Essas tecnologias deixam claro que os chiplets não são apenas um novo método de design, mas sim uma plataforma de integração heterogênea, onde cada chiplet pode ser fabricado no processo mais adequado (nó maduro para analog, nó avançado para lógica digital, materiais compostos para RF) e depois reunido em um único sistema. Esse paradigma abre espaço para inovação sem precedentes, mas exige uma coordenação sem igual entre fundições, fornecedores de IP e integradores de sistemas.

Por que a Tecnologia de Chiplets Demorou a se Consolidar?

Apesar de parecer uma tendência recente, a ideia de dividir circuitos complexos em módulos menores não é nova. Desde os anos 1990 já se discutia a possibilidade de “sistemas em múltiplos dies”, mas na prática essa abordagem encontrou barreiras que impediram sua adoção em larga escala. Somente agora, com a pressão por desempenho em IA e data centers, e com a maturidade das técnicas de fabricação, os chiplets começaram a se tornar uma realidade comercial.

O primeiro obstáculo foi tecnológico. Integrar múltiplos chiplets em um mesmo pacote exige interconexões extremamente eficientes. No passado, as tecnologias disponíveis (como interposers simples e ligações metálicas convencionais) não ofereciam a largura de banda necessária nem um consumo aceitável para sistemas de alto desempenho. Além disso, a falta de padronização dificultava que chiplets de diferentes fornecedores pudessem ser combinados de forma confiável. A criação de iniciativas como o UCIe (Universal Chiplet Interconnect Express) representa justamente a resposta tardia a esse problema: estabelecer uma base comum para interoperabilidade.

O segundo grande desafio foi a testabilidade. Antes de montar diversos chiplets em um mesmo pacote, é preciso garantir que cada die seja um Known Good Die (KGD), ou seja, testado e validado individualmente. No entanto, testar chiplets de forma isolada é muito mais complexo do que testar um chip monolítico, pois envolve múltiplas interfaces e cenários de uso. Durante anos, essa dificuldade representou um gargalo que elevava custos e reduzia a viabilidade econômica da abordagem.

Outro ponto crítico foi a confiabilidade em aplicações críticas. Setores como automotivo, aeroespacial e médico exigem altos padrões de segurança, conhecidos como RAS (Reliability, Availability and Serviceability). Em sistemas formados por chiplets de múltiplos fornecedores, surgia a dúvida: quem é responsável por falhas? Como estabelecer uma raiz de confiança (root of trust) em arquiteturas distribuídas? Essas questões jurídicas e técnicas adiaram a consolidação da tecnologia, que só começou a avançar com colaborações mais estreitas entre fabricantes de IP, foundries e integradores.

Por fim, havia a questão econômica. O modelo tradicional de chips monolíticos ainda se beneficiava de escalas de produção e da redução contínua dos nós de litografia. Para muitas aplicações, era mais barato e simples projetar um único chip, mesmo que grande e complexo, do que investir em toda a infraestrutura necessária para integrar chiplets. Esse cenário mudou quando os custos de fabricação em nós avançados dispararam e os rendimentos (yield) começaram a cair para chips muito grandes. Dividir funções em chiplets menores passou a ser não apenas tecnicamente viável, mas também financeiramente vantajoso.

Assim, a adoção em larga escala dos chiplets só foi possível quando três fatores convergiram: maturidade tecnológica nas interconexões, padronização em nível de ecossistema e pressão econômica vinda da complexidade crescente dos chips de última geração. Esse contexto explica por que agora, e não antes, estamos testemunhando a verdadeira ascensão dos chiplets no mercado global.

Consequências e Oportunidades no Mercado de Chiplets

A consolidação dos chiplets traz consigo um conjunto de consequências que afetam toda a cadeia de valor da indústria de semicondutores. Do ponto de vista estratégico, os grandes players – como AMD, Intel e Qualcomm – estão se reposicionando para controlar tecnologias críticas, enquanto startups inovadoras buscam nichos específicos onde podem se destacar, tornando-se alvos naturais de aquisições. Isso cria um mercado vibrante, mas ao mesmo tempo altamente competitivo, em que talento e propriedade intelectual são os ativos mais valiosos.

Uma das maiores consequências é a democratização do design de chips complexos. Com chiplets, empresas menores podem projetar sistemas altamente avançados sem precisar dominar todos os aspectos da fabricação em nós de litografia de ponta. É possível combinar chiplets já prontos – de I/O, de memória, de lógica digital ou até de RF – e focar a inovação em um bloco específico. Esse modelo, se amadurecer, pode ter um efeito semelhante ao que os sistemas em nuvem tiveram na computação: reduzir barreiras de entrada e acelerar a inovação.

Outro ponto importante é o ressurgimento das foundries maduras. Até pouco tempo, fábricas que operavam em processos de 130 nm a 65 nm estavam perdendo espaço frente aos nós avançados de 7 nm e 5 nm. No entanto, os chiplets mudam esse cenário. Como cada chiplet pode ser produzido no processo mais adequado para sua função, as foundries de processos maduros se tornam essenciais para fabricar blocos analógicos, de potência ou até mesmo substratos especializados. Empresas como SkyWater Technology e Tower Semiconductor já estão explorando essa oportunidade, abrindo novas linhas de produção voltadas ao ecossistema de chiplets.

Além disso, surge um campo de inovação em conectividade óptica. O crescimento exponencial da inteligência artificial em larga escala está pressionando os limites físicos da comunicação elétrica. O consumo energético para movimentar dados entre racks em data centers tornou-se insustentável. Nesse contexto, os chiplets ópticos despontam como a próxima grande fronteira. Empresas como Ayar Labs e Xscape Photonics já oferecem soluções que permitem transmitir dados usando luz, com ganhos de até 10 vezes em eficiência energética e alcance muito maior. Essa mudança promete viabilizar tecidos de computação distribuídos que interligam servidores de forma muito mais escalável.

Por fim, é importante destacar que o mercado não caminhará para um modelo totalmente aberto ou fechado, mas para um modelo híbrido. Grandes empresas tenderão a manter soluções proprietárias para seus produtos de alto valor agregado, mas ao mesmo tempo adotarão padrões abertos em áreas que exigem interoperabilidade e colaboração. Isso garante que, enquanto a competição define os rumos das tecnologias proprietárias, um ecossistema de inovação coletiva possa florescer em paralelo.

Assim, os chiplets não representam apenas uma mudança arquitetural, mas um novo paradigma econômico e tecnológico. Eles abrem espaço para novos negócios, redesenham o papel das foundries, criam demandas inéditas em interconexão e segurança, e inauguram uma corrida pela ótica integrada como solução inevitável para os limites da eletrônica convencional.

Conclusão: O Futuro da Era dos Chiplets

Os chiplets deixaram de ser apenas uma ideia promissora para se tornarem uma das principais estratégias da indústria de semicondutores. A necessidade de aumentar desempenho, reduzir custos e acelerar o tempo de desenvolvimento impulsionou sua adoção, mas também trouxe à tona desafios em testabilidade, confiabilidade e segurança. Esses obstáculos ainda estão em processo de solução, mas não foram suficientes para conter o avanço de um modelo que já conquistou gigantes como AMD, Intel e Qualcomm.

O futuro aponta para um cenário híbrido, no qual coexistirão soluções proprietárias altamente integradas e padrões abertos voltados à interoperabilidade. Grandes corporações seguirão internalizando tecnologias críticas por meio de aquisições estratégicas, enquanto startups inovadoras continuarão explorando nichos, especialmente em áreas como interconexões avançadas, substratos inteligentes e chiplets ópticos.

A próxima grande inflexão será a transição para o I/O óptico, que promete romper as barreiras físicas impostas pela comunicação elétrica. A substituição de elétrons por fótons na transmissão de dados abre caminho para infraestruturas de IA em escala massiva, com maior eficiência energética e capacidade de interligar servidores em malhas distribuídas. Essa mudança pode redefinir completamente a arquitetura dos data centers e acelerar a evolução de sistemas inteligentes em uma escala sem precedentes.

Em suma, a onda de consolidação dos chiplets está apenas começando. O que vemos hoje é a fase inicial de uma revolução que não apenas redefine a forma de projetar chips, mas também remodela a economia global de semicondutores. O caminho ainda é cheio de desafios, mas a direção é clara: os chiplets serão um dos pilares fundamentais da próxima década tecnológica.

Referência: https://www.eetimes.com/chiplets-consolidation-wave-is-just-beginning/

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